por Árlan Dias Sá
No contexto do ialoceno, a educação enfrenta um paradoxo: formar indivíduos autônomos em um mundo onde a tecnologia redefine a própria noção de aprender. A modernidade líquida (Bauman), com sua fluidez e incertezas, exige habilidades que transcendem a acumulação de informações. O objetivo educacional desloca-se do saber para o saber aprender, priorizando pensamento crítico e autonomia ética, como defendem Freire, Dewey e Morin. Esses autores destacam que a educação deve ser um processo dialógico, onde o aluno, contextualizado em sua realidade, constroi conhecimento através da interação crítica com o mundo.
A neurociência, como exemplo da magnitude do impacto das IAs, revela que o aprendizado é um fenômeno bioquímico e social: criar redes neurais demanda estímulos variados, desde práticas motoras até reflexões teóricas. Aprender a ler, por exemplo, modifica estruturas cerebrais, como demonstra Stanislas Dehaene, gerando uma "caixa de letras", estrutura inexistente no cérebro antes da alfabetização. No entanto, as respostas instantâneas, oferecidas pelas IAs generativas por exemplo, ameaçam virtudes intelectuais como perseverança e rigor investigativo, essenciais para a maturidade cognitiva. O acesso fácil à informação cria uma ilusão epistêmica: o indivíduo confunde a capacidade de ter acesso com o saber, distorcendo sua autoimagem como "ciborgue" que domina o conhecimento, quando, na verdade, utiliza-se de próteses cognitivas para afirmar-se como conhecedor.
Nesse contexto estimula-se o protagonismo do aluno, exigindo pedagogias que partam de seus contextos e interesses, como propõe Freire. Contudo, o ialoceno amplifica riscos como a arrogância epistêmica: o efeito Dunning-Kruger mostra que conhecimento superficial gera confiança excessiva, exigindo a humildade socrática (reconhecer a própria ignorância) como antídoto. As IAs, embora úteis, não substituem a mediação docente. O professor reforça seu papel como referência ética e intelectual, guiando o aluno na articulação de saberes, equilibrando ferramentas tecnológicas com reflexão crítica.
As escolas, por sua vez, precisam abandonar modelos "arcaicos" e tornar-se espaços de cultura tecnológica, onde as IAs são ferramentas e não os fins do aprendizado. A analogia com o trânsito ilustra a urgência: assim como os carros exigem regras, a tecnologia demanda alfabetização digital e consciência ética para evitar danos como desinformação ou dependência, potencializando as soluções e não os problemas. Projeta-se então uma utopia educacional: ambientes colaborativos, com turmas menores e recursos que estimulem resolução criativa de problemas, preparando alunos para desafios inéditos.
Nesse cenário, o educar redefine-se como desenvolvimento de habilidades, funcionando como caixa de ferramentas para construir soluções de forma ética e crítica acerca da realidade. Seu cerne não é dominar conteúdos, mas cultivar integridade, colaboração e habilidades, garantindo que as IAs amplifique, mas não substitua, a potência crítica e ética do ser humano. O futuro exige equilíbrio: máquinas como extensões da mente, professores como referências morais e intelectuais, e alunos como arquitetos de um saber que transcende algoritmos.
“Parece, pois, que eu seja mais sábio do que ele, nisso - ainda que seja pouca coisa: não acredito saber aquilo que não sei.”