por Árlan Dias Sá
A relação entre inteligência artificial e criatividade humana reacende notórias angústias e dilemas filosóficos presentes desde a antiguidade. Platão, por exemplo, estabeleceu bases metafísicas que serviriam de sustentação para séculos de discussão sobre o tema, e ainda hoje exerce forte influência sobre esse debate. O filósofo via a criação como imitação, ou seja, meras reproduções imperfeitas, finitas e mutáveis de suas Formas ideais, presentes no mundo das ideias, como sombras da realidade. Nietzsche, por sua vez, defendia a invenção de novos valores, criticando a tradição platônica e rompendo com a ontologia metafísica da interpretação, reprodução e atuação na realidade. Apesar do tempo e esforços, a pergunta ainda persiste: é possível criar algo verdadeiramente novo? Quando as IAs operam a partir de um comportamento probabilístico estatístico (alimentando-se de dados pré-existentes, gerados por nós mesmos), elas parecem intensificar a própria contradição que as sustenta. Sua presença, nesse contexto, contribui para esclarecer ou para obscurecer esse problema?
Para nos auxiliar na discussão, vislumbremos a realidade através dos olhos da filosofia. Deleuze, por exemplo, diria que a originalidade não está no surgimento ou criação de algo a partir do nada, mas na diferença, ou seja, o novo não se define por romper completamente com o passado, mas por produzir variações, desvios, diferenças em relação ao que já foi dito, feito, pensado, conhecido, sabido ou dominado.
Desse modo, as IAs podem ser criativas de acordo com a teoria de Margaret Boden, ou seja, no sentido combinatório: sem criar elementos novos, mas reorganizando aqueles já existentes de forma inédita e surpreendente. Ou no sentido exploratório: testando os limites da cadeia de permissões e restrições pré-estipuladas pelas regras, mas sem romper as premissas fundamentais. Porém, elas encontram uma limitação quanto à sua capacidade de transformar. Elas não rompem com paradigmas, apenas articulam aqueles criados por nós e fornecidas a elas. Fica, portanto, evidente que dilemas conceituais como a angústia da influência abordada por Bloom, também se aplicam às máquinas: elas "aprendem" a partir de obras humanas, mas não têm a intencionalidade no processo de criação. Não são capazes de produzir novos significados, somente reproduzi-los. Nesse sentido, assim como a fotografia não matou a pintura, mas forçou-a a transcender o mimetismo, com as IAs, a arte, por exemplo, pode se libertar do paradigma da técnica repetitiva, direcionando e explorando ainda mais o espírito criativo humano, que permanece insubstituível em sua essência de duvidar, questionar, subverter e atribuir novos significados à existência.
Concluímos, então, com essa breve reflexão, que as IAs manifestam-se como entes teleológicos, ou seja, são um meio, não um fim. Entre seus impactos mais evidentes, estão a superação do limite humano quanto ao domínio da técnica, possibilitando que o humano se desenvolva através de novas habilidades de criação e manipulação de ideias. E nos fazer repensar nossa própria identidade, reafirmamos nossa condição e identidade ontológica através de questões como por exemplo: o que é genuinamente humano na criação? Talvez essa resposta esteja na capacidade de gerar intencionalidades, na construção de mitos para dialogar com dilemas, na coragem de transformar regras anteriormente estabelecidas e até então inquestionáveis, ou na capacidade de levantar questões acerca da própria existência como condição, ou seja, perguntar porque estou aqui? Qual meu propósito? Qual a razão de existir? Algo que, por enquanto, ainda se mostra uma característica exclusivamente humana.
“A criatividade é uma maravilha da complexa, mas não, au fond, tão misteriosa mente humana.”